sábado, 13 de novembro de 2010

Carta a um exilado (I)



Hoje sei que a saudade pode acabar. Só comigo...
Cherei as roupas usadas que ainda estavam na mala.
Abracei cada peça no corredor do quarto minúsculo.
Tropecei na cama e me entreguei ao teu cheiro, corpo e alma.
Preparei a comida. Adocei o café.
Lavei as roupas. Limpei a casa.
Ouvi a música esperando nossa dança.
Meu vestido abraça apertado meu corpo, na espera e falta que sente de ti.
Resignados, aguardamos a contradança.
Os sentidos dançam conforme o ritmo de tua ausência.
O amor calça os sapatos.
A música quer começar.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O estanho da louça.



Sua caneca lascou, amor.
Bem na borda, onde eu levo à boca.
É a demora,  o nunca.
Também tacaram fogo no meu campo de trigo capim.
Está tudo tão cinza, cinzas...
É a pressa, que devora.
Eu sei, é tão pouco. 
Mas era teu, só teu.
E tudo acaba.
Amor.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Drummondiana


Num suspiro tímido, guardo nos quintais de mim as histórias que não vivenciei por circunstâncias além dos limites de meus territórios secretos. A sensação é que tudo aqui é mais bonito e faz todo o sentido.

Nos campos que me habitam, colhemos flores e depositamos em formigueiros. Observamos em silêncio a procissão à caminho do esconderijo nas sarças de capim. Feito mágica, elas desaparecem e nossos olhos se encontram, sorriem.

Levantamo-nos em direção às borboletas sobrevoando as nuvens que podem ser tocadas com os pés. Caminhamos decalços e já não me importo com o vento que esvoaça meu vestido e cílios, carregando-nos pelos cabelos em direção ao infinito.

No varal, penduramos todo tipo de adereço até descobrir onde está a outra ponta. Quando nos damos conta, percorremos um caminho que nunca existiu e que nos leva ao pôr de sol no meio dos seios de uma montanha.

Adormecidos, os dedos se entrelaçam e os corpos se unificam. Respiramos os mesmos sonhos e enfeitamos nosso encontro com botões delicados de não-te-esqueças-de-mim.

Nosso jardim, nosso jardim... que de tanto plantar, já não me interessa sair daqui. E tudo que me brota ainda é vivo e belo. E tudo que colho é apenas o que acredito. Acato o que o Diabo me mandou e agradeço o que Deus me reservou; amar e calar.

Me deixe aqui e estarei em paz.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Hoje não tem poesia.

As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam

Porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões

Os corações pegam fogo e depois não há nada que os apague

se a combustão os persegue, as labaredas e as brasas são

O alimento, o veneno, o pão, o vinho seco, a recordação

Dos tempos idos de comunhão, sonhos vividos de conviver

As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam

Porque o amor e o ódio se irmanam na geleira das paixões

Os corações viram gelo e, depois, não há nada que os degele

Se ha neve cobrindo a pele, vai esfriando por dentro o ser

Não há mais forma de se aquecer, não há mais tempo de se esquentar

Não há mais nada pra se fazer, senão chorar sob o cobertor

As aparências enganam, aos que gelam e aos que inflamam

Porque o fogo e o gelo se irmanam no outono das paixões

Os corações cortam lenha e, depois, se preparam pra outro inverno

Mas o verão que os unira, ainda, vive e transpira ali

Nos corpos juntos na lareira, na reticente primavera

No insistente perfume de alguma coisa chamada amor.

( Sérgio Natureza e Tunai )

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Pássara


No inverno carrega a lenha

Suspira o fogo e adormece trêmula

Delira primavera

De galhos frágeis.



No mais breve pousar

O pássaro voa e o graveto cai.

Forma-se o ninho, daqueles passarinhos,
estéreis de céu.



O bico pia o silêncio

Das aladas lembranças

Permanece suspenso

O aroma da flor natimorta.



O vôo inerte

O caminhar errante.









quarta-feira, 5 de maio de 2010

Desejo de um.


Hoje me deu vontade de dois:

Duas canecas de café.

Brotou subtamente um desejo de dividir o café, o gole, o fumaçar.

Lá no meu armário estão unidas num apelo prosaico:

- Venha, seja lá quem voce for!

E meus olhos sugerem o de sempre:

"Nunca mais", Poe.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Egrégora

Nos caminhos que faço há um campo.
Um terreno baldio, não sei mais.
Pela manhã de hoje, no sol nascente,
encontrei um campo-terreno-baldio.
Transformado pela alquimia dos capins dourados.
A brisa leve ondulava a maré sinuosa e suave.
...
Pausa.
...
Musicado capim dourado,
na minúscula fração de segundo,
há um campo dourado repleto de trigo capim.
A luz difusa me diz:
- Não és a raposa, nem tão pouco o príncipe.
  És o trigo, o pão teu de cada dia.