sexta-feira, 27 de maio de 2011


Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

(Eduardo Alves da Costa) 




terça-feira, 24 de maio de 2011

Fica.



Pergunto-me se alguém ainda vem aqui. 

Alguém vem, eu sei.
Preciso acreditar que é voce.
Fica. Não vá. 
Ainda escuto seus passos arrastados. 
Ouço os cães uivando.
As flores aparecem em vasos e canteiros.
O café exala o mesmo aroma.
A música insiste em tocar.
O corpo implora, fica...
Mesmo que seja pra olhar.
Sente. Sinto. O coração sobreviveu.
O sonho deita pra descansar.
Toca... os cabelos querem deitar.
O choro brota, nascente que não quer secar.
O vazio sussurra, fica...
Me deixa ficar.
Deixo, e o amor grita:
não vá...

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Das Trilhas.




- Dorme, só existe o sonho.
Dorme, meu filho.
Que seja doce.
 Não, isso também não é verdade.



- Caio F. Abreu in “Os Dragões não Conhecem o paraíso”.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Ave Maria de Maio.



Acordou sobressaltada durante aquela noite. Sentiu necessidade de verificar no escuro os vãos e desvãos do quarto e demais cômodos da casa. Não trazia junto o medo de supostamente se deparar diante de algo ou alguém estranho ao ambiente.

Maria, retalhava olhares diante de persianas imaginárias. Alcançava estrelas e cometas pelo lastro do pensamento; um ser noturno que conjugava a escuridão ao cerrar os olhos e implorar pelo descanso do sono. Aguçava os sentidos ao tatear a geometria dos objetos que desenhavam seus limites. Debruçava-se nas janelas e mirava os postes estéreis de luz. Havia sempre uma a brincar naquele olhar perdido no horizonte em perspectiva angular.

Mantinha em segredo o desejo de rezar diante daquele mundo alcançável. Sabia, que naquele quadrado, continha um grão de sua real grandeza e perplexidade. Usava o olhar para ascender aos céus. Diante do silêncio, proferiu uma prece na restinga do quarto. Perguntava-se do ajoelhar... Prostrou-se diante do chão e reverenciou o azul-lençol feito mar no revestimento do seu leito. Tinha dificuldades em fechar os olhos e os ouvidos para o azul-janela. Decidiu enrondilhar-se na cama e se aquecer com o próprio calor do corpo. Segurava os joelhos e alma. Tinha pena de ambos. Ligada ao cordão universal , acendia estrelas e móbiles não identificados no opaco do teto de seu mundo. Fechou os olhos, aceitando a exaustão como dádiva.

Acorda para uma manhã luminosa e quebrantável. Ainda descalça, percorre o desenho das vias de acesso ao espelho que depositou a imagem de quem pode escorrer água pelo rosto sem o tempero do sal. Seu fraco era o doce. Seu café era forte...Maio chegara com ventos sorrateiros e devastadores. Durante a noite, os sopros são escuros e inaudíveis  feito  o silêncio do mundo de Maria.


Enquanto a água mansa não borbulhava, decidiu visitar o vaso de flor de maio. Mirou a janela e só conseguiu identificar alguns objetos, casas, rua e árvores dançantes que estavam desde sempre. Vagou o olhar por toda a extensão da janela à procura do cachepô e pêndulos de promessas verdes. Desceu o olhar com tamanha rapidez e avistou os pés nus. Aos poucos foi caminhando até a janela e seguiu o rastro de terra dispersa no chão e cacos da louça espalhados. Sem esforço nenhum, ajoelhou-se com a serenidade dos que penam, dos que lamentam. Juntou o que restou do sonho de flor e plantou maio na alma com as mãos açucaradas pelos grãos de terra.


Ave Maria que não soube da flor,  saberá de maio.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Das respostas.




Algumas frases tem o poder da folha em branco.

Se alguma delas acertar você abandone todas as suas respostas:

é inútil escrever de branco sobre folhas brancas.

Minha caneta transparente estourando frases dentro da bolsa:

foi um grande silêncio.

(Rita Apoena)